sábado, 26 de janeiro de 2019

Lisboa: a misteriosa fonte das 40 bicas



Fica no Jardim Botânico da Ajuda, em Lisboa, e a sua construção é motivo de inúmeras incógnitas.

Este é o mais antigo jardim botânico de Portugal mandado plantar em 1768 por Sebastião Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, ao italiano Domingos Vandelli, natural de Pádua, e chamou-se originalmente Real Jardim Botânico da Ajuda. Foi o rei D. José I quem encomendou ao Marquês a criação desta maravilha botânica destinada à educação dos príncipes seus filhos e da corte, plantando-a neste sítio já de si milagroso por a Virgem ter aparecido a um pastor que padecia grande contrariedade e Ela ajudou-o, e para sempre o seu nome ficou ligado a este bairro ocidental de Lisboa:Nossa Senhora da Ajuda. À mesma Virgem assistencial se consagrou este jardim e a maior prova de assim ser revela-se no simbolismo da enigmática fonte das 40 bicas, situada no tabuleiro inferior deste espaço edénico.

Datada do século XVIII esta fonte barroca também é conhecido por fonte das serpentese dela a água jorra por 40 bicas ornamentais para um tanque artisticamente lavrado. Está decorada com a escultura mitológica do deus grego dos oceanos, Neptuno, e por outras esculturas de golfinhos laterais e frontais no tanque, cavalos marinhos no topo do monumento e sobressaindo do conjunto serpentes, com duas enleadas defronte cujos corpos circundam o prato superior da fonte e dando origem a outras serpentes enroscadas em troncos secos, tudo em conformidade com o hermetismo próprio da época pombalina.

Tal como a Mãe Divina é representada como as Águas da Vida calcando a seus pés a Serpente da Criação, como se vê na iconologia de Nossa Senhora da Conceição, é por isso que essa última é o símbolo da Energia ou Força Criadora conectada aos movimentos sinuosos das correntes telúricas que animam a Terra e os seus lençóis d´água subterrâneos, muito deles afloram à superfície através de fontes monumentais como esta do Jardim Botânico. Por isso o culto serpentário conecta-se inteiramente ao sentido de “Água de Vida”, acrescentando-se que a serpente era encarada pelas antigas religiões como guardiã das fontes de vida e da imortalidade, e assim mesmo dos tesouros espirituais que só os imortais poderiam obter. Tal como a Mãe Divina dá de seu seio interior a Sabedoria revelada no Filho, também a serpente por sua ligação telúrica ao seio da Terra tornou-se símbolo da “Sabedoria das Profundezas” revelada na Água de Vida brotando à superfície, animando este Jardim do Paraíso pelas 40 bicas que retirando o zero e só ficando o quatro, indica justamente o compasso quaternário do Globo assinalado pelas quatro estações anuais marcadas pelas quatro fases da Lua, planeta “feminino” que assiste às Águas da Criação e que os antigos retratavam como uma grande serpente envolvendo o mundo, tal qual a serpente que envolve o prato superior desta fonte.



As duas serpentes enroscadas adiante da fonte representam na Natureza o carácter masculino e feminino unidos gerando um terceiro estado de perfeição, o androginismo. Este carácter andrógino das serpentes macho e fêmea gerando outras tantas enroladas em troncos secos, evoca o episódio mitológico grego do profeta cego Tirésias de Tebas que encontrou duas serpentes copulando, tendo-as golpeou-as com o seu cajado matando a fêmea que logo se transformou em mulher, e ao fim de sete anos viu novamente duas serpentes copulando: matou o macho que logo se transformou em homem, tal qual ele se viu porque já era não cego, por haver alcançado o estado de iluminação interior que lhe concedia a imortalidade como Andrógino Perfeito, que é o que significa a alegoria.

Mais adiante, no conjunto escultórico, defronte para as duas serpentes aparece uma terceira serpente, isolada de corpo enrolado e cabeça levantada. Representa o Oceano Primordial das Águas da Vida. Por seu sentido de realeza, esta cobra é uma naja, a cobra real dos hindus. Finalmente, no topo da fonte aparecem cavalos-marinhos que simbolicamente são o “aspecto superior” das serpentes que representam na Terra o que aqueles representam para a Lua: ao participar do segredo das águas fertilizantes, o cavalo-marinho conhece o caminho por elas percorrido, e por isso acreditava-se que ele tinha o dom de fazer brotar fontes com um golpe da sua cabeça. Neste caso, a função da montada de Neptuno é a de despertar a imaginação como “mente criadora” e que está representada pelo peixe-voador sobressaindo do centro dos quatro cavalos-marinhos, cujas rãs do segundo prato assinalam a rota do entendimento gradual para quem contempla esta mais que insólita fonte das 40 bicas.

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