quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Serra d’Arga: um mergulho na natureza....



A Serra d’Arga constitui uma das áreas mais emblemáticas do Alto Minho, não só pela vastidão das paisagens agrestes do seu topo, mas também pela singularidade dos seus valores naturais. Nos pontos mais altos da serra, dominados por imponentes maciços graníticos, existem áreas naturais de pastagem de rara beleza onde ocorrem diversos tipos de matos numa matriz de pastagens com uma diversidade florística notável. Nestes matos e prados alimentam-se cabras, vacas e garranos, coexistindo no mesmo ecossistema do lobo, que tem aqui uma das populações mais próximas do litoral. Perto das pitorescas aldeias que se desenvolvem na transição para o xisto, existem campos de cultivo, lameiros e bosques naturais, atravessados por diversas linhas de água. Outrora, estes rios e ribeiros forneciam a energia aos moinhos, que ainda se podem observar, e onde se fazia a moagem dos cereais cultivados nos campos.





 

Paisagem


Com cerca de 9 km de comprimento por 5 km de largura, o afloramento granítico que constitui o cume da Serra d’Arga é o elemento mais distintivo desta paisagem. Culminando a 825 metros de altitude, no Alto do Espinheiro, dele brotam inúmeras linhas de água, incluindo as três que alimentam o Rio Âncora. As suas vertentes altamente declivosas e pedregosas contrastam fortemente com o seu topo, onde se encontram as maiores chãs e onde se podem, frequentemente, observar manadas de garranos a pastar. No sopé da serra e ao longo dos vales do Âncora e do Estorãos localizam-se as povoações, as matas e os característicos conjuntos de socalcos.







Património cultural


A elevada riqueza patrimonial da Serra d’Arga é comprovada pela diversidade de valores arquitetónicos presentes no território: as casas de montanha, os moinhos de reduzidas dimensões, a profusão de alminhas, cruzeiros e capelas ao longo dos caminhos, as pontes e os pontões que possibilitam o atravessamento pedonal das inúmeras linhas de água que sulcam a serra até à foz do Âncora. Do ponto de vista etnográfico, as dezenas de festas e romarias que se realizam anualmente proporcionam ricas manifestações de religiosidade popular onde se revelam os traços mais característicos das povoações locais, os gostos, os costumes e o folclore.

 


 
Flora


A Serra d’Arga possui uma extraordinária riqueza florística, com 546 espécies de plantas vasculares, incluindo 32 espécies raras ou ameaçadas de extinção. Destas, destaca-se a chupadeira-do-Minho (Scrophularia bourgaeana) e o feto Dryopteris carthusiana por estarem quase restritos à Serra d’Arga em Portugal. Para outras espécies, tais como: arranha-lobos (Genista berberidea), raiz-divina-de-cheiro (Armeria humilis subsp. odorata), Laserpitium prutenicum subsp. duforianum, Succisa pinnatifida e Carex durieui, esta serra apresenta a maior, ou uma das maiores, populações em Portugal.








Fauna


A Serra d’Arga possui uma fauna muito diversificada, com presença confirmada de mais de 180 espécies de vertebrados selvagens. As aves são claramente o grupo mais abundante, beneficiando da grande variedade de biótopos particulares, tais como: o estuário e corredor fluvial do Rio Âncora e as áreas serranas, incluindo as escarpas e os planaltos. Nestes biótopos podem ainda ser encontradas várias espécies de peixes, anfíbios, répteis e mamíferos, das quais se destacam várias raras e emblemáticas, nomeadamente o lobo (Canis lupus), a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica), o falcão-peregrino (Falco peregrinus) e o bufo-real (Bubo bubo).






Geologia


A geologia da Serra d’Arga é caracterizada por um proeminente batólito granítico, próximo do mar, que atinge os 825 metros de altitude no Alto do Espinheiro. A paisagem granítica expressa-se no modelado de vales, de cristas e de vertentes, mas também em microformas variadas, tais como: caos de blocos, tors, pseudoestratificação, planuras e blocos pedunculados. O maciço granítico principal é circundado por uma importante orla de metassedimentos silúricos (e.g. xistos, micaxistos, quartzitos e quartzo-filitos) onde existem indícios de antigas explorações mineiras.







 


Lenda da Serra d'Arga


Era vez um rei chamado Evígio, forte e severo, que ocupava o trono visigótico da Península Ibérica, parte do qual se estendia pelas terras férteis que, séculos mais tarde, iriam constituir Portugal.
Evígio tinha uma filha única, de nome Eulália, muito bela, luz dos seus olhos, prometida por ele em casamento ao valente guerreiro Remismundo, que desejava como seu sucessor. Mas Eulália amava outro. Amava o jovem Egica, de nobre sangue real, também ele valoroso, é certo, mas cujos amores com Eulália o rei Evígio contrariava, preso ao compromisso tomado com Remismundo. Porque o coração se lhe negasse a aceitar a decisão paterna, Eulália resolveu fugir com Egica para longe do seu reino, onde encontrassem, juntos, a felicidade desejada. E, numa certa noite escura, ambos, escapando à vigilância de servos e soldados, cavalgaram livres, para outros lugares mais amáveis.

Ao saber da fuga dos jovens namorados, logo o rei enviou um poderoso exército em sua perseguição. Conscientes dos perigos que corriam, Eulália e Egica procuraram ocultar-se o melhor e o mais breve possível da ira de Evígio.

E, debaixo de uma violenta tempestade, chegaram à vista de uma alta serra, chamada Medúlio, próximo da Galiza, onde fora construído o Mosteiro Máximo, conhecido de Egica, pois ali residia um velho amigo seu, Frei Gondemaro, decerto pronto a acolher, com satisfação e carinho, o par de fugitivos.

Vencendo as fúrias do vento rude e da chuva insistente, não tardaram a bater às portas do Mosteiro e a cingir os braços generosos do monge, que prontamente lhes ofereceu uma mesa abundante e o repouso dos leitos.

A manhã seguinte, trazendo consigo um Sol radioso, desvendou, aos olhos da princesa e do cavaleiro, um panorama deslumbrante de campos semeados, densos e verdes arvoredos, águas rumorejantes de riachos, rebanhos brancos de ovelhas, o mugido melancólico dos bois, um pulsar de vida selvagem entre as brenhas, uma festa de pássaros nos ares.
E Eulália, encantada com o que via, exclamou:

- Porquê, chamar Medúlio ao esplendor e prosperidade desta serra, e não Agro, como merece?
 Respondeu-lhe o irmão Gondemaro:

- Razão tendes. Pois toda esta riqueza se deve ao trabalho agrícola, de Sol a Sol, dos nossos bons monges que a cultivam sem fadiga e com muito amor.

Rogou-lhe, então, o par enamorado que, nesse dia magnífico, Gondemaro o casasse, antes que os homens de Evígio o descobrissem e levassem prisioneiro.

Fez-lhe o frade a vontade, no segredo do altar florido, ante a bênção da cruz sagrada. Depois, Eulália e Egica partiram para novo reino, ainda mais distante do poder do rei ofendido.
 Mas Eulália, ainda que junto do seu amado, sofria de saudade do pai e da sua pátria, e levava os dias em lágrimas.

Até que chegou, por fim, ao castelo onde o casal morava, o velho monge do Mosteiro Máximo. Vinha exausto da viagem penosa, tão demorada e tão cheia de perigos. Mas trazia boas notícias! O rei Evígio, também saudoso da filha querida, estava pronto a perdoar a desobediência e a fuga, se Eulália lhe desse um neto varão, que viesse alegrar-lhe a velhice e herdar-lhe a pesada coroa.

Não tardou muito que a princesa embalasse nos braços um filho, para o perdão do rei e o regresso feliz dos exilados.

Porém, antes de alcançarem o palácio de Evígio, perante a estima e o respeito de todos, quiseram voltar àquela altiva serra, onde haviam casado, chamada, agora, Serra de Arga, pois o povo, na sua ignorância, havia deturpado para Arga a palavra Agro, raiz da palavra Agricultura, com que Eulália justamente a apelidara.

E assim a Serra ficou chamada até aos nossos dias, com a beleza da sua paisagem doce e agreste, cada vez mais fecunda e arroteada, com o bulício da sua fauna e pujança da sua flora, recebendo os louvores entusiásticos de quem lhe sobe aos altos e lhe desce aos vales, na devoção das romarias, escutando o balir manso dos rebanhos, o reboar dos sinos, o estrondo dos foguetes na lisura dos céus.




Fonte original todos os direitos reservados a: https://www.serradarga.pt

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